Espaço Comum
Taísa Palhares
Artistas Itinerantes: é a ideia que permeia a exposição Espaço Comum apresentada no Museu de Arte de Ribeirão Preto em maio/junho de 2003. Os seis artistas residentes em São Paulo, Fulvia Molina, Hugo Fortes, João Carlos de Souza, Lynn Carone, Mauro de Souza e Stela Barbieri compreendem, com isso, a arte como uma via de mão dupla. Não se interessam em apresentar nas diversas cidades percorridas trabalhos já prontos, sem nenhuma relação com o espaço onde se colocam. Em contraponto à noção de “mostra itinerante”, o que os atrai é o desafio imposto às suas respectivas poéticas visuais pela concepção de museu enquanto lugar: espaço vivo, impregnado de história, cultura, afetividade e inserido de modo singular na dinâmica de uma cidade.
Como observou o crítico de arte Alberto Tassinari, ao contrário da arte naturalista da tradição e na esteira das experimentações inauguradas pela arte moderna, “a arte contemporânea não transcende espacialmente o mundo e o espaço em comum (do espectador), mas antes nasce deles e retorna à vida cotidiana acrescentando-lhe novos sentidos”1. Em uma sociedade massificada como a nossa, na qual a arte necessariamente convive e conversa com os produtos da indústria da cultura, o ato de ressignificação do espaço da vida torna-se um dos desígnios mais pujantes do artista, indício de sua instigante situação contemporânea de relativa autonomia.
Experimentar o espaço arquitetônico em suas contradições, vivenciá-lo enquanto memória particular e coletiva, pensá-lo em sua função social, como edifício no interior da teia de relações da cidade, expô-lo como corpo orgânico, também submetido às transformações do tempo, são algumas das questões tangenciadas por este grupo de artistas após um período de convivência com o Marp. Os cruzamentos entre passado e presente, entre a memória do sujeito e a memória social, são problematizados pelas instalações Baile de Fulvia Molina e Banquete de Stela Barbieri. Ambas apresentam uma singular visada histórica sobre o edifício do museu. A primeira recuperando a história da construção como salão de baile, mas utilizando para tanto fotografias suas e de sua família em bailes e festas antigos. A passagem entre interior e exterior, passado e presente, dá-se mediante a colocação de modelos vestidos em roupas de gala na varanda, trazendo para dentro da sala do museu imagens quase em tamanho natural de pessoas no ponto de ônibus que se encontra diante da entrada do Marp. Stela dispõe louças brancas em uma pequena sala, nas quais insere um líquido laranja como uma espécie de vestígio de toda afetividade posta em jogo nos momentos de almoço de família. Por sua vez, em Ribeirão, Hugo Fortes tensiona as relações entre o nome da cidade e sua representação, explorando os caminhos do esquecimento dos moradores com respeito a história do local onde vivem, em uma espécie de memória travada, que não flui.
Lynn Carone, assim como Fulvia, traz o exterior para o interior em seu trabalho Epiderme e lágrimas. Sob seu olhar afetivo, fragmentos de paredes descascadas da fachada do museu transformam-se em pedaços de pele envelhecida de um corpo orgânico também delicado e suscetível, sujeito ao tempo e destruição da história. Por outro lado, a instalação Erro do espaço de João Carlos de Souza e as estruturas infláveis de Mauro de Souza chamam a atenção para o caráter essencialmente “construído” de todo espaço. João pendura cordas azuis numa espécie de mimese às avessas de alguns ângulos e paredes do espaço arquitetônico, criando com isso um duplo dentro deste mesmo espaço. Mauro inverte as noções de cheio/vazio, leve/pesado, ocupando uma pequena sala vazia com uma enorme bola inflável transparente contendo duas bolas menores pretas em sua superfície. Apresenta ainda outra estrutura inflável transparente contendo um anel preto também inflável. Ambos os trabalhos concretizam uma área espacial até então virtual para o olhar do visitante, convidando à sua manipulação.
Vale dizer que por pressuporem um vínculo experimental com o mundo, os trabalhos apresentados aqui convidam o espectador não apenas para uma “mostra de obras de arte”, mas, sobretudo, para uma vivência do lugar através delas.
Taísa Palhares
1 Tassinari, Alberto. O Espaço Moderno. São Paulo, Cosac & Naify, 2001. P. 88.