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Territórios Educativos - Bienal

Stela Barbieri
Pensar no trabalho educativo da Bienal para escrever este texto me fez olhar para trás. Foi como se estivesse olhando para uma trilha, da qual não se vê o fim: uma paisagem com muitos passos e pegadas de tantas pessoas que ali se acumularam durante anos. Nossas pegadas, os passos que damos hoje, dialogam com esses tantos outros que deixaram rastros nesta instituição.

A multidão de pessoas que uma Bienal mobiliza é sempre surpreendente. Trabalhamos com públicos diversos, com artistas, obras, outras equipes da instituição e somos afetados por tudo isso somado às nossas próprias percepções.


Na abertura de cada edição da mostra, visitantes curiosos circulam pelo espaço. Antes da abertura para o público, a Fundação Bienal oferece visitas orientadas exclusivas para os professores, a fim de que eles possam conhecer a exposição com calma, antes de trazer seus alunos. A partir daí, dezenas de estudantes visitam a exposição todos os dias. As crianças chegam cheias de entusiasmo e os educadores fazem um acolhimento para os grupos antes da visita começar.
Neste primeiro momento da visita, todos os acordos são combinados.


É nesta área de 25.000 metros quadrados, um prédio com a arquitetura sinuosa de Oscar Niemayer, que acontecem as diversas etapas de preparação para a exposição realizadas em um esforço conjunto de muitas equipes. As mostras podem ter de duas a três mil obras e a equipe de educadores pode chegar a 500 pessoas. Nos poucos meses de exposição, recebemos centenas de milhares de visitantes e muitos quilômetros rodados dentro e fora de nós. Uma Bienal é uma celebração exigente para todos que passam por ela, sejam as pessoas que trabalham na instituição, sejam as que visitam a mostra. Uma exposição deste porte exige de nós, principalmente, fôlego e sensibilidade.

Pragmatismo poético
Fazer o educativo de uma Bienal é olhar para sua enorme dimensão de circunstâncias e começar aprendendo com os que fizeram antes de nós, sonhando com o que gostaríamos de realizar, inventando possibilidades, imaginando cenários, ações poéticas, pesquisando, planejando, produzindo, preparando encontros para criar deslocamentos, diálogos e experiências. Queremos um contato vivo com as pessoas. Queremos encontros que possam trazer desdobramentos, desvios, continuidades, aprendizagens e também gerar reverberações na escola, nas comunidades e nos professores.

O trabalho do Educativo Bienal tem o cuidado de uma produção minuciosa e uma conversa sempre acesa. Gosto de dizer que nosso trabalho se fundamenta em um Pragmatismo Poético: a logística e a produção de conhecimento se fundem, o espaço, os materiais, seja intelectual, humano ou físico, de todas as ações andam de mão dadas, a poesia permeia nossas conversas, planejamento e estudos. Forma e conteúdo são definidos juntos.

Além disso, dentro de uma exposição todos são educadores e aprendizes, pois tanto o segurança que está na porta, os curadores, o presidente da Bienal, o arquiteto, as faxineiras, são responsáveis pelo contato dos vários públicos com as obras, com a qualidade deste contato. Se o segurança que recebe o público for pouco receptivo com as pessoas, elas poderão ficar com um mal-estar que pode interferir na visita, uma acolhida simpática e afetuosa na recepção também contagia a experiência. O Educativo está atento a todas essas instâncias, colabora com elas, permitindo que seu modo de trabalho também seja, de algum modo, contagiante.

Os principais movimentos do Educativo Bienal têm sido conhecer a obra dos artistas, estudar sobre elas, conceber os encontros de formação e criar materiais disparadores de conversas. O deslocamento até as pessoas para que depois possamos recebê-las na exposição para conversar sobre a vida e a arte contemporânea também é um movimento importante. E esses movimentos têm ressonâncias: um encontro se desdobra em outros, potencializando e aprofundando o diálogo, por meio do qual experiências podem ser compartilhadas. As pessoas querem falar e ouvir e são muitas as que têm uma presença recorrente e frequente em nossos encontros de formação, na mostra e nos eventos realizados pelo Educativo. Sua intenção é aprofundar a conversa, começar novas, propor ações conjuntas, compartilhar o que estão fazendo, dividir sua experiência conosco, conhecer a mostra conversando com os nossos educadores, estreitar a relação com a arte contemporânea e construir junto.

Nossos principais interlocutores são os professores. Temos um compromisso com esses parceiros que esperam pelos encontros de formação, pelos materiais educativos e pela interlocução durante a mostra, tanto nas Bienais como nas mostras intermediárias, que acontecem nos anos em que não temos Bienal.

As propostas que envolvem arte e educação numa exposição de arte contemporânea criam possibilidades de aprender com os artistas a olhar de um jeito diferente para o mundo e para nós mesmos. O Educativo da Bienal trabalha em campos poéticos com pessoas que vêm de lugares e com pontos de vistas diferentes, que encontram espaços para a expressão das suas diferenças. Cada ação do Educativo é criada de modo artesanal, num laboratório de ateliês, ações poéticas e reflexões a partir de propostas inspiradas nas ideias dos artistas, no conceito curatorial, sempre cuidando para que tudo isso aconteça de acordo com os nossos conceitos fundantes: diálogo, experiência e encontro.

Eixos e ações
Com a intenção de que cada ação realizada tenha profundidade e qualidade, foram estabelecidos eixos de ações que acontecem antes, durante e depois da exposição. Esses organizam a variedade de atuações necessárias e previstas para o cumprimento dos objetivos deste projeto: fazer com que o diálogo com a arte seja uma possibilidade de transformação do olhar para a vida.

Cada eixo colabora na estruturação do Educativo Bienal, no entanto a mesma equipe é que faz os vários eixos acontecerem, integrando este corpo coletivo. São eles:


Formação de professores e educadores sociais
Ações realizadas antes, durante e depois da mostra com o objetivo de iniciar e aprofundar o contato de professores e educadores sociais com os assuntos e conceitos envolvidos nas mostras.

Encontro de Formação de Professores no CEU Casa Blanca – 450 participantes – Neste dia o educativo Bienal fez trabalhos concomitantes em 15 CEUs com um total de 5200 professores. Um educativo é uma obra coletiva, pensamos juntos sobre a vida e a arte , fizemos ações poéticas e um laboratório de material educativo.


Ações nas comunidades
Pontos de contato estabelecidos em forma de parceria, na qual encontros e ações são definidos de acordo com as necessidades de cada comunidade.

Formação de educadores
Curso para estagiários que trabalharão na mostra, estruturado em aulas e seminários com a abrangência educacional, cultural e profissional.

Parcerias
Relações estabelecidas com instituições culturais, educacionais, sociais e governamentais que visam aumentar a amplitude e alteridade do trabalho.

Realizamos ao longo dos anos do educativo permanente, parcerias com outras instituições culturais (MASP, Pinacoteca, Instituto Itaú Cultural, entre outras) para formar educadores, trocar reflexões e experiências em reuniões ou seminários. Na 29a Bienal, criamos este material educativo com trinta instituições culturais. Cada instituição apresentou-se dando ênfase especial às concepções e ações educativas que desenvolve.


Atendimento ao público
Abrange todas as ações diretamente ligadas aos públicos durante a mostra: visitas orientadas, ações em ateliês, programação paralela e ações de acessibilidade.


¹ O Educativo Bienal trabalhou com 604.184 pessoas de 2009 a 2013, em encontros de formação, ações na comunidade, relatos de professores, laboratórios de material educativo, visitas orientadas, programação paralela à mostra: oficinas, shows, apresentações de narrativas para famílias. As visitas orientadas acontecem com grupos de 20 pessoas.
² Os ateliês e ações poéticas são possibilidades de dialogar com diferentes públicos. Os ateliês são ambientes de criação onde é possível experimentar.

Comunicação
Produção e divulgação de todas as ações realizadas e a realizar, assim como a promoção de conteúdos e documentação do trabalho desenvolvido durante

Pesquisa e material educativo
Engloba todas as ações de produção de conteúdo e se destaca com a realização dos materiais educativos de cada mostra e seus respectivos seminários em educação e arte.



¹ Na 29a Bienal, o Educativo desenvolveu um material educativo em colaboração com a curadoria da mostra e a comunicação da instituição, forma e conteúdo foram concebidas ao mesmo tempo. Foram impressos 40.000 exemplares, distribuídos em cursos de formação e encontros com professores. O material é composto por fichas de artistas com pistas educativas que sugerem ações na sala de aula, cartazes para leituras de imagens compartilhadas e um jogo dos terreiros, através do qual é possível vivenciar conceitos de arte contemporânea brincando. Foi criado de maneira a possibilitar que o professor tenha muitas possibilidades de dinâmicas e diferentes aproximações com a arte.

² Este é o material educativo foi criado por ocasião da 30ª Bienal de São Paulo - Iminência das poéticas, que aconteceu no segundo semestre de 2012. Nele, o professor e os seus alunos são convidados a criar constelações a partir das relações entre as obras. O material é dirigido aos professores de escolas das redes pública e privada, educadores de ONGs e líderes comunitários para ser trabalhado com adultos, jovens e crianças a partir de seis anos.Este material permite propor uma diversidade de ações, tais como conhecer mais sobre os artistas, ler imagens, criar constelações que sejam como uma malha de conexões e ideias que os professores e os seus alunos possam inventar.


Avaliação
Processamento e acompanhamento contínuo de dados quantitativos e qualitativos de todas as ações realizadas em cada ano.


Três aspectos fundamentais do trabalho do Educativo Bienal merecem aqui destaque:


Encontros de formação de professores

Durante os quatro anos em que esta equipe esteve presente na Fundação Bienal uma grande preocupação foi sempre pensar e preparar a formação de professores. Acreditamos que todos os lugares são lugares de aprender, cada espaço tem um jeito especial de ensinar e cada pessoa, sua maneira singular de aprender.

Dadas as características da Bienal com longa trajetória no compromisso com Educação, a presidência da instituição decidiu implementar em 2010 um educativo permanente. Desde então passamos a nos preocupar com uma formação continuada para professores com um atendimento mais atento às dúvidas individuais e demandas de projetos colaborativos entre a Bienal e as demais instituições. Como resultado, desenvolvemos uma série de ações que serão implementadas neste ano de 2013, a fim de dar continuidade ao trabalho do Educativo Bienal no que se refere à formação de professores. São elas:

  1. Ateliês que possibilitem a realização de proposições práticas em artes. Nestes, a reflexão pode acontecer a partir da experiência vivenciada, sendo esta a principal ativadora do diálogo a respeito de conceitos da arte contemporânea, ensino de arte e educação.

  2. Cursos de formação em arte contemporânea com conversas em grandes e pequenos grupos em torno dos assuntos específicos de cada exposição, sempre tendo como caminho disparador para a experiência dos participantes.

  3. Bienal nas Escolas acontece com a intenção de ampliar o contato com o professor em formações e mensurar o impacto que este contato tem em sala de aula. Atuando diretamente na escola, nas aulas de artes, realizando encontros de planejamento e acompanhamento de um mesmo grupo ao longo de dois anos.

  4. Plantão para professores busca um espaço de diálogo sobre dúvidas conceituais ou questões relativas à prática, onde seja possível compartilhar ações e experiências.

Usar o corpo para experimentar outras maneiras de se relacionar, o corpo inteiro é cognitivo.



Os educadores e o público

No Educativo Bienal, a pessoa que orienta as visitas à mostra é chamada de educador e não de mediador. A palavra mediador traz a ideia de estar no meio, entre, o que leva a pensar que o mesmo está entre o público e a obra. E para nós o papel do educador é um papel de diálogo, o educador é aquele que provoca interação, que catalisa a conversa, que fica junto com o público e a obra.

Na África em algumas etnias existem os griôs que são os contadores de histórias tradicionais, um ofício passado de uma geração para outra, estes contadores de histórias inventam um jeito de perceber o público para quem eles estão contando a história, têm várias maneiras de fazer isso, fazem pequenas rimas, cantigas, sentem o público e escolhem o repertório na hora, a partir do que sentiram, do que o público lhes trouxe.

No trabalho do Educativo Bienal, queremos realmente dialogar com as pessoas a partir delas, ouvir suas narrativas.

Uma exposição é composta de muitas narrativas, antes, durante e depois da mostra.


Por mais que tenhamos uma visita com um percurso preparado, os educadores são incentivados a perceber os públicos, a dialogar com quem está à sua frente, trocando ideias e aprendendo com a visão que as pessoas trazem das obras. Deste modo, todas as visitas orientadas por um mesmo educador podem ser diferentes, uma vez que, à medida que conhecem cada visitante, traçam outros caminhos.

Cada educador tem o seu próprio jeito de conhecer os públicos, uma maneira peculiar de começar a visita ou de comentar uma obra, de trazer informações com contexto e sabor. Muitas vezes as informações trazem outras camadas de compreensão sobre as obras, e o educador, por estar preparado, tendo estudado, tem esta informação e é importante que ele a disponibilize como mais uma camada, mais uma leitura possível.

Para isso buscamos perceber a bagagem que as pessoas trazem e o território que criamos em diálogo com elas. O território de uma exposição é constituído pela expografia, obras, visitantes e profissionais que trabalham na mostra. Milton Santos, geógrafo, dizia que espaço geográfico é constituído pelo espaço físico e as pessoas que o habitam. O espaço expositivo também é assim.

Cada exposição funciona de maneira singular, propondo uma nova dinâmica, com uma lógica própria, com conceitos que definem artistas, obras e espaço físico, convidando o público a interagir de maneira não linear. O educador tem o papel de evidenciar os conceitos curatoriais, de dizer o que está acontecendo agora, de trazer à consciência e de criar novas rotas.

Muitas vezes esse movimento é o de cada um ao encontro de si próprio ou um movimento de encontros com os outros. Para que isso se efetive, há espaço para que as pessoas tomem a palavra. Nesse sentido o trabalho do Educativo acontece numa pluralidade de vozes em movimento.

O educador que convive com a exposição, salienta o relevo das obras que vão ganhando outras possibilidades de olhar. As melhores visitas são quando a obra, o visitante e o educador podem falar à sua maneira.



Como conversar com muitos de forma que a conversa realmente aconteça?

O desafio é conseguir - dentro de um espaço com milhares de coisas acontecendo - que o educador crie seus próprios dispositivos para concentrar o público e tenha um trabalho significativo ao fazer circuitos de conexão conceituais interessantes ao visitar as obras escolhidas. Para que isto aconteça o educador, jovem universitário,estuda durante três meses o conteúdo da mostra e depois realiza visitas em grupos de vinte pessoas, sempre orientado por seu supervisor.

Uma mostra dessa envergadura, exige afinações diárias, das mais variadas, desde como as pessoas se agrupam, como elas devem organizar a roda de modo que todos se enxerguem, até a circulação pela mostra. Neste sentido a presença é fundamental, estar entregue ao momento.

O nosso trabalho, em toda a sua dimensão, precisa de estudo, revisão, avaliação constantes, de novas relações que frequentemente nos recolocamos. Lidar com um grande número de pessoas é um enorme desafio para uma equipe que pretende fazer um trabalho cuidadoso para cada encontro, cada palavra, cada experiência. Nosso desejo é trabalhar nossas relações com delicadeza, o que é muito exigente para todas as pessoas envolvidas em uma grande estrutura, com o fazer cotidiano, com a vida e com a arte.



Stela Barbieri








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Stela Barbieri é artista, contadora de histórias, autora e educadora. Dirige o bináh espaço de arte.