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As escolas navegam pelo universo da arte

Texto publicado na Folha Educação nº 24 – Março/abril 2004
Stela Barbieri

O que nos move a visitar uma exposição de artes é a curiosidade, o desejo de conhecer e um certo prazer em encontrar algo misterioso que ao ser revelado pode ampliar nossos horizontes e nos trazer uma experiência enriquecedora.

Ao mesmo tempo, atualmente, somos estimulados a “consumir” exposições. A oferta de uma grande agenda cultural e a propaganda crescente de exposições, como tudo na vida contemporânea nos traz uma sensação de não estarmos atualizados e um constante correr atrás do cumprimento de itens que nos mantenham “por dentro”.

Quando ouço pessoas conversando em encontros sociais sobre uma visita recente a uma exposição importante, fico pensando na qualidade da experiência que elas se permitem ter, visitando uma exposição.

Ao pensarmos numa pessoa que vive na cidade de São Paulo, onde está exposto o tempo todo a uma enorme quantidade de estímulos, percebemos que estes funcionam mais como anestésicos do que como alimento. São tantos os estímulos visuais, entre muitos outros, que a pessoa passa a não ver ou a ter um foco de observação muito restrito, condicionado à sua rotina e ao cumprimento de sua agenda “socialmente correta”. Isto leva a um consumo alienado, ao automatismo de escolhas – realizados sem consciência – e ao consumo de idéias como mercadorias sem questionamento.

Qual seria então a função das instituições de arte na vida atual? Penso que as instituições de arte trazem uma oportunidade em direção a retomada do sensível, da consciência da percepção e, por fim, da reflexão. Mas para que essa aproximação possa se dar a contento é necessário que esse cultivo do sensível que leva até a reflexão, e que é propiciado pelo universo artístico, deva começar já na infância, tanto em casa quanto na escola.

Na vida escolar a visita a instituições ligadas a arte tem sido uma prática cada vez mais corriqueira. Contudo, tenho notado que por mais que os professores e alunos estejam travando contato com esse universo, a visita à essas instituições ainda não está associada ao prazer.


Certa vez fiz a seguinte proposição aos meus alunos de seis anos:

" O que vocês diriam se fossem convidar um amigo para ir a um museu?"

Uma das crianças respondeu:

- “ Eu diria: vem comigo amigo!”

O outro disse:

- “Eu diria a ele que no museu é proibido tocar nas obras.”

Um terceiro disse ainda:

- “Eu diria que no museu tem que ficar em silêncio.”


Como a nossa longa conversa aconteceu enquanto eles trabalhavam com argila, criou-se um clima muito favorável no qual eles, com toda liberdade, iam me dizendo o que pensavam sobre os museus. Disse-me uma menina:

- “Eu acho um pouco chato e às vezes legal”.  

Embora tenham comentado as diferentes experiências pelas quais passaram em visitas a exposições, nenhum deles chegou a dizer que o museu era um lugar divertido ou muito interessante e que eles gostam de ir. Cabe salientar que se tratava de crianças pertencentes a uma faixa social acostumada a visitar museus e muito estimulada pela escola.

Creio que as restrições apresentadas pelas crianças derivam da persistência da idéia da obra de arte e do museu como coisas distantes e inacessíveis do ponto de vista da compreensão, preconceito criado pelo próprio meio das artes, que só recentemente passou a se preocupar em atrair o público para si, e das pessoas em geral que ingenuamente acreditam que a obra de arte deveria ser algo de apreensão imediata, sem necessidade de uma formação.


Para que a sociedade como um todo e a escola em particular se aproximem ainda mais do universo da arte é necessário que o professor cuide da qualidade da experiência do ensino da arte, sensibilizando e preparando os alunos, o que certamente repercutirá sobre os pais, e que as instituições de arte ofereçam diferentes possibilidades de aproximação: material gráfico, vídeos, palestras, visitas monitoradas, etc.

Ainda em relação aos professores, percebo a necessidade da maioria deles, marcados que são por uma formação excessivamente genérica e sem intimidade no trato com a expressão artística, de finalmente se permitirem colocar frente às obras acreditando em sua percepção e arriscando uma leitura de seus elementos constitutivos. Passada essa etapa e esbarrando na dificuldade de compreensão de determinados aspectos, eles, animados que estarão por uma experiência fortemente estimulante, espontaneamente sairão em busca de informações capazes de complementá-la. Com sua progressiva dinamização, esse processo implicará na elevação da qualidade da experiência estética de seus alunos com previsível repercussão em suas famílias.

No que se refere a relação entre o professor e a instituição museológica, é aconselhável que ele não utilize o serviço de monitoria e os textos críticos oferecidos pelas instituição como muletas de decodificação rápida das obras, mas sim, para ampliar suas leituras e reflexões primeiras.


Nós do Instituto Tomie Ohtake, estamos trabalhando no sentido de proporcionar formação, atendimento e material que apóie o professor em sua navegação pelo universo da arte. Nesse sentido pautamos nossa ação por exposições cuidadosamente elaboradas, que têm por objetivo fazer com que as pessoas que as visitem voltem para casa com algo murmurando dentro delas. Buscamos tratar a expressão artística como algo capaz de revelar caminhos, dar idéias, trazer reflexões, mostrar direções e aproximar as pessoas de novas possibilidades de expressão e, como consequência, delas mesmas.




Stela Barbieri








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Stela Barbieri é artista, contadora de histórias, autora e educadora. Dirige o bináh espaço de arte.