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Educação como ação poética

Stela Barbieri


A arte e a educação são áreas que podem ser revolucionárias por natureza. Por meio delas, mudamos nossa visão de mundo e inventamos outras maneiras de olhar e agir. Ser artista e professor exige, portanto, um exercício constante de criação e descoberta de novos caminhos. Além disso, especialmente no Brasil, a conquista de campos efetivos de trabalho nessa direção exige tenacidade e capacidade para detectar e aproveitar as oportunidades que se apresentam.

O papel do educativo em uma instituição cultural é propor um questionamento sobre a vida e a arte contemporânea através do contato com a arte ou do fazer artístico. As perguntas, problemas e proposições explicitados pelos artistas, nos trazem atravessamentos, nos suscitam ações que alimentam nossa maneira de inventar a educação através da arte.

Buscamos não só proporcionar aos visitantes e alunos um contato desafiador com a arte, como também abrir espaço para o educador que recebe o público pesquisar e propor outras relações com a arte.

Desde o início de minha atuação na concepção de educativos tenho como intenção realizar um trabalho especial dedicado a professores de arte e polivalentes de Educação Infantil e Ensino Fundamental I de escolas públicas, que têm a imensa responsabilidade de lidar ao mesmo tempo com todas as disciplinas, de conteúdos tão diversificados. Esses professores trabalham com a faixa etária do desabrochar da compreensão do mundo: seus alunos estão curiosos e ávidos por aprender. Desafiam-nos a inventar novos caminhos todos os dias e sinto que para isso precisamos também desafiar os professores que trabalham com eles.

Certa vez estávamos no Centro Educacional Unificado (CEU) Casa Blanca, num encontro da Bienal, num bairro distante dentro da cidade de São Paulo conversávamos com 450 professores da Rede Municipal de Educação, minha equipe e eu. Os microfones em movimento davam vigor à conversa sobre os modos de viver e a arte, chegando a momentos de embate bastante intensos. Falávamos sobre o trabalho Pare, repare, prepare, da dupla Allora e Calzadilla. Essa performance surpreendente reúne seis músicos que se revezam tocando, de dentro do piano, o quarto movimento da Nona sinfonia de Beethoven.

Um professor de música ali presente levantou-se e perguntou aos seus colegas: - Vocês conhecem a Nona sinfonia de Beethoven? - Pouquíssimos conheciam, o que fez com que oferecesse – Posso cantar para vocês?

De acordo com a vontade dos professores, cantou o quarto movimento inteiro em alto e lindo tom. A audição espontânea, sem ensaios ou protocolos, veio inesperada, levando a plateia a um silêncio cúmplice e receptivo que, depois dos aplausos, continuou ocupando o espaço.

Esta cena me fez pensar como é maravilhoso quando alguém se sente à vontade e com liberdade para se colocar. Então me perguntei: como garantir esse espaço nas instituições culturais?

Durante muito tempo os museus e instituições culturais estiveram distantes do público, por uma crença de alguns de que a arte é para poucos.

Vivemos um momento em que essas instituições se abriram para receber diversidade e volume de pessoas, tendo, para isso, desenvolvido maneiras específicas de lidar com cada público. Os scripts e planejamentos concebidos para trabalhar com exposições são em vários momentos muito programados, pois para acolher um grande número de pessoas é necessário organização e preparo.

Corre-se o risco de o excesso de pragmatismo na orientação do trabalho deixar pouco espaço para a escuta e desvios salutares que podem acontecer num encontro.

Pergunto-me de que forma podemos abrir espaço para novas narrativas e intervenções do público? Como criar um ambiente que propicie a ação poética, no qual as pessoas se sintam à vontade e com liberdade de se colocar perante as obras de arte e perante si mesmas?

Creio que o grande desafio é integrar competência para ter espaços bem cuidados, equipe preparada, infraestrutura, rigor conceitual e ao mesmo tempo deixar frestas para o inusitado. O envolvimento e a presença de cada participante nesta ação podem catalisar um encontro vivo e a criação de um espaço com afeto, onde todos se coloquem para além do que está proposto, investigando e se perguntando sobre o sentido da vida contemporânea e da arte. Isso acontece em diálogos, ações poéticas, jogos estéticos e outras invenções que se originam a partir dos próprios trabalhos de arte.

Os artistas contemporâneos inventam outros sistemas de troca nos deixando pistas de como lidar com variáveis subjetivas, como o desejo, o afeto e a liberdade, algumas vezes propondo intercâmbios possíveis em ações coletivas.

Podemos ver isto na obra de Antonio Vega Macotela, que durante três anos e meio, realizou o trabalho Time Divisa. O artista visitou os detentos da unidade Carcerária de Santa Marta Acotila, na Cidade do México. Semanalmente, fez, junto a eles, aproximações e intercâmbios que se concretizaram em 365 trocas, cada uma representando um dia do ano. Fora da prisão, o artista realizava o desejo de um detento, e este, do lado de dentro, fazia um projeto artístico encomendado.

Este trabalho, entre tantos outros feitos atualmente, apresenta uma maneira de estabelecer uma interlocução de criação colaborativa, inventando um sistema poético de troca. E, então, me pergunto: que novos caminhos de diálogos com a arte podem ser inventados e suscitados pela própria arte?



Instituto Tomie Ohtake

Além dos anos de atuação como educadora e artista plástica, tinha realizado cursos de formação de artes para professores em diversas regiões do Brasil e estava certa de que o ensino não deve ser igual para todos, e sim especial para cada pessoa em sua singularidade – apesar da necessidade de metas comuns, com um currículo propiciador de oportunidades equivalentes para todos.

O Instituto Tomie Ohtake, um Centro Cultural de arte contemporânea na cidade de São Paulo, inaugurado em 2001, trabalha com arte, arquitetura e design. Sendo uma instituição bastante jovem com uma direção aberta a pesquisa e investigação, possibilita que a ação educativa tenha a oportunidade de experimentar vários caminhos nos trabalhos com crianças, jovens e adultos, em grupos pequenos A proposta do educativo é privilegiar a experiência e a reflexão dos profissionais participantes, interagindo com grupos heterogêneos e estabelecendo comunicação em um espaço democrático da arte. Por outro lado, leva-se em conta o perfil do próprio Instituto: por privilegiar a obra contemporânea e estar sempre em movimento com suas exposições temporárias, se propõe o desafio de gerar, a cada dia, novas investidas na relação com a arte, uma vez que as peculiaridades da produção artística de nosso tempo nos obrigam a lidar com o desconhecido ou com outra maneira de ver o conhecido, em um terreno movediço de teorias provisórias.

Desse modo, a Ação Educativa nasceu do desejo de alguns profissionais de trabalhar com arte como possibilidade de ação e transformação do mundo, somado à posição política segundo a qual o acesso do maior número possível de pessoas difunde o aprendizado, por propiciar novas maneiras de aproximar, estudar e produzir arte.

Cada professor que trabalha no Instituto traz sua dinâmica e sua didática, em diálogo com essa ação educativa, e cria situações potencializadoras com seus alunos, segundo suas características, fazendo-os mergulhar em múltiplas linguagens.



Fundação Bienal de São Paulo

A escala de uma bienal dentro de uma cidade com 11000000 de habitantes é avassaladora, pois simbolicamente ela ocupa um território que é de todos.

Uma bienal é sempre um grande desafio: a localização de um assunto, o desenvolvimento de um argumento, a criação de um projeto, a configuração de um território, o espaço expositivo, as passagens e deslocamentos, os lugares de encontro com a obra, a recepção do público, o que evidenciar em cada trabalho, as relações a serem estabelecidas. Como receber bem as pessoas? Como compartilhar as intenções do trabalho com todos os envolvidos na mostra? Como criar espaço para experiências significativas? Um espaço com 25000m pode acolher um grande público.

Dialogar com professores e educadores pareceu ser o primeiro passo para uma entrada significativa nas escolas, nas ONGs e nas comunidades. Ao criarem os terreiros, que davam nome às plataformas conceituais e aos espaços de encontro, os curadores-chefes reforçaram sua proposta de refletir sobre arte e política à luz da poesia, como sugere o nome da exposição. Possibilitando ao público diferentes entradas para leitura da mostra, criaram novos ares, espaços para pensar a arte com um frescor que pôde, a cada momento, revelar novas significações.

Para o Projeto Educativo, a proposta da curadoria das mostras sempre é um desafio para a interlocução com as pessoas e as obras, gerando diálogos entre os integrantes da equipe e o público, criando diferentes tipos de aproximações com a arte, estabelecendo relações entre a arte e a vida cotidiana, formulando questões, problematizando-as e discutindo a essência do trabalho de cada artista e as urgências da vida contemporânea.

O desafio de atender muitas pessoas com a intenção de escutar e dialogar com cada uma delas tem um misto de objetividade absoluta e subjetividade à flor da pele. A logística para receber o público precisa estar muito bem estruturada. Decisões precisam ser tomadas a todo momento. Ao mesmo tempo, as pessoas precisam ser ouvidas em suas necessidades, reflexões e construção de sentidos, sejam elas da equipe ou do público.

A percepção dos acontecimentos tem sido a bússola dessa navegação. A intenção é que as pessoas possam se encontrar umas com as outras, que tenham as melhores condições para isso e que esse corpo coletivo possa ter uma irradiação. A ideia é que a conversa se dê pouco em pouco, como o fogo de uma roda de fogueira, que se espalha e acende outras fogueiras. Esse fogo é a conversa, motor da navegação.

A marca do Educativo da Bienal é ampliar seu território no sentido de acolher e de buscar os públicos mais variados. Foi fundamental o apoio que tivemos de todas as instâncias da Fundação Bienal de São Paulo para que esses encontros se tornassem reais e o Educativo, permanente. Ouvíamos algo, comunicávamos e compartilhávamos com a diretoria e outros setores, e, assim, ideias se acendiam. Nesta catalisação de aproximações todos têm que poder tomar a voz. Se as pessoas têm o que falar, precisam ter espaço para falar. Essa também foi uma característica do nosso trabalho. Todos nós educadores fizemos um trabalho dialógico, em que as pessoas escutavam, falavam, escutavam e dialogavam, escutavam e ficavam em silêncio, e ouviam, em pequenos encontros ou grandes conversas, a voz em movimento.




Stela Barbieri








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Stela Barbieri é artista, contadora de histórias, autora e educadora. Dirige o bináh espaço de arte.