Nas esculturas de Stela Barbieri, as noções de interior e exterior se confundem. O paradoxo de que entranha e pele, víscera e superfície sejam, se não idênticos, territórios sem conflito, alimenta todo o trabalho e responde pela fluência de suas soluções formais.
Ao aproximar estes dois pólos opostos, o trabalho passa a querer tudo: nós, laços, sacos, materiais empilhados, coisas jogadas, amontoadas, penduradas, escorridas, coladas. Uma dilatação de idéia de forma acompanha a vizinha proibida do dentro e de fora; uma indiferença pelo que é aparência ordenada, individuação de uma visão. Tudo aqui é passagem, casulo de outro casulo, pele desgovernada e faminta, em expansão aflita. A matéria varia de estado, exibe suas qualidades sucessivas, torna-se a pegada de todas as formas. O que dá interesse a estes trabalhos é sua plasticidade excessiva, como se pudessem receber todas as operações. Há, nisso, uma mistura de potência expressiva e passividade extrema, que em seus melhores momentos parece apontar para uma compreensão trágica da vida, como se fazer e desfazer, liberdade e destino fossem o mesmo. Se nos trabalhos de Germana Monte-Mór o irmanado discrepa, nos de Stela o discrepante se pacifica. O resultado destas operações aparentemente contraditórias é uma compreensão similar da arte como lugar de combate e conflitos internos, a superfície tatuada de seus acidentes de percurso. Me parece particularmente interessante que não fujam para aquelas regiões fronteiriças entre os gêneros, adotando pela milésima vez o discurso de sua superação, mas permaneçam agarradas ao peso de desenhar, ao peso de produzir esculturas.
A corporeidade intensa destes trabalhos, seu aspecto encarnado, sua presença exacerbada, encontram correspondência na decisão de operar dentro da arte, como se fosse preciso abraçar seu cadáver para poder ser artista.
Nuno Ramos