SÓNONÓS - CONTEXTOS DE PARTICIPAÇÃO
Agnaldo Farias
Claire Bishop, crítica de arte e curadora da Tate Modern, intitulou de “O espectador como produtor” seu ensaio de introdução à obra por ela organizada, “Participation”(2006), um livro indispensável sobre o tema desde sua publicação. A ideia do espectador como produtor não é nova, como bem demonstra Bishop em seu texto cristalino. Para ficarmos apenas em dois momentos fundamentais da arte moderna, cumpre lembrar o pequeno, mas seminal, texto de Bertolt Brecht “Diversão e produção” (1926), no qual o dramaturgo alemão defende não só o autor como produtor, como também o autor e o próprio público.
A defesa do estreitamento da relação entre arte e vida, entre atores e espectadores, atingiu um ponto mais avançado com o Teatro da Crueldade, de Antonin Artaud, nos anos 1930. Essas noções espalharam-se pelo mundo e aqui no Brasil foram introduzidas através de obras de gente do calibre de Hélio Oiticica, José Celso Martinez Correa e Lygia Clark.
Segundo Bishop, no que diz respeito a essa passagem do espectador como produtor, pela via de sua abertura à experiência, aliam-se dois aspectos fundamentais: uma posição mais democrática do artista, convidando o outrora espectador a ser coautor de seu trabalho; em segundo lugar, corolário dessa atitude, o desencadeamento de um trabalho coletivo, estratégia fundamental para a consolidação de um novo modo de pensar as relações interpessoais – uma questão do mundo contemporâneo.
Há anos Stela Barbieri vem criando instalações e obras oficinas que mesclam desenhos, objetos e esculturas, onde as materialidades são um dispositivo para a criação dos vários públicos, numa colaboração entre a artista e os participantes. Sua intenção é a construção de espaços que se transformam com a ação dos participantes.
Projetada para ocupar as duas principais galerias do Centro Brasileiro Britânico, sónonós é uma exposição de espaços ativos que convida o público a inventar e interagir em um lugar compartilhado e negociado; lugar que propicia o estabelecimento de contextos polissensoriais, espaços imersivos de percepção, potencializadores do movimento e investigação do pensamento, em que os participantes se colocam em jogo, na possibilidade de vivenciar temporalidades diversas.
A proposta é uma alteração do espaço/tempo, que deflagra tensionamentos na relação entre artista, educadores e públicos. Os vetores de invenção se cruzam numa zona de estar, onde cada um pode perceber a si mesmo e ao outro, como uma experiência de atravessamento.
Em sónonós, Stela Barbieri cria contextos para ativar a subjetividade dos visitantes, provocando sua abertura à participação, por meio de envolvimento físico e simbólico. A mostra constitui-se de duas instalações, uma em cada sala:
Habitar em Com Tato
Convida os visitantes a construírem abrigos, tendas, ninhos e desenhos, inventando territórios, criando memórias e narrativas, habitando o espaço. Os materiais possibilitam uma experiência tátil que pode provocar a investigação de modos de construir, colocando em contato materiais que nem sempre se relacionam no dia a dia.
Pela Gota
A cada gota, o tempo se espacializa nesta obra-oficina, que chama os públicos a prepararem fluídos e fluxos, em uma mistura de cores, aromas, sabores e ritmos. Chás, tinturas, águas de cheiro podem ser preparados, coados e vertidos em grandes e pequenos funis.